Origem e personalidade são pontos fundamentais para criar os melhores vinhos
Em busca de vinhos com maior personalidade, vinícolas reduzem a utilização das barricas de carvalho, se preocupam em colher uvas mais cedo, antes de sua sobremadurez, e estão atentas ao teor alcoólico.
Alejandro Vigil.
A safra 2003 do Château Pavie entrou para a história pela batalha de palavras entre os críticos Jancis Robinson e Robert Parker. Ela, inglesa, criticou o tinto, que chamou de “ridículo”, escrevendo que ele mais parecia um vinho do Porto do que um vinho bordalês – na época, o Pavie era um premier Grand Cru Classé B, da nobre região de Saint Emilion, em Bordeaux. E o pontuou com a nota 12 em uma escala até 20. Ele, norte-americano e, na época, o crítico referência mundial com a sua publicação The Wine Advocate, defendeu a bebida, por sua qualidade e complexidade, e deu 96 em uma escala de 100 pontos. Sem saber, essa divisão de opiniões era um prenúncio do que aconteceria no mundo do vinho uma década depois.
Parker saiu de cena ao se aposentar e vender a sua newsletter, que hoje pertence ao grupo Michelin. E, com ele, os vinhos mais concentrados, elaborados com uvas muito maduras, às vezes até sobremaduras, e alcoólicos, também vêm perdendo o seu espaço. Na época, o Pavie – que depois foi elevado a categoria Grand Cru Classé A e atualmente nem é tão concentrado assim – virou o principal exemplo da parkerização, em uma referência a este estilo de vinho muito mais concentrado e alcoólico, vários chegando facilmente aos 14,5%, 15% de álcool.
A atenção agora é para colher as uvas no ponto ótimo de maturação, não quando estão maduras.
O fato é que, atualmente, o que vem ocupando o espaço das melhores adegas são tintos muito mais frescos, com aquela acidez que convida ao segundo gole. Primeiro, há agora uma atenção para colher as uvas no seu ponto ótimo de maturação, às vezes até um pouco antes, mas nunca quando a fruta já madura pode passar uma sensação de doçura no paladar. Em consequência, o teor alcoólico, resultado da transfor- mação do açúcar da uva em álcool, também está mais baixo e reflete as característica climáticas de cada safra – em anos mais quentes, a uva tende a amadurecer mais e o álcool é um pouco mais alto, e o contrário acontece em anos de clima mais frio.
As barricas de carvalho, que ajudam não apenas a arredondar os taninos, mas que trazem novos aromas ao vinho também mudaram. Estão saindo de cena aquelas com tostas mais fortes, e as vinícolas não têm a menor vergonha de reaproveitar as barcas em safras seguintes, muito pelo contrário. Entram em cena também as barricas maiores, chamadas de foudres, que reduzem a influência da madeira no vinho.
As barricas de carvalho mudaram. Estão saindo de cena aquelas com tostas mais fortes.
O argentino Alejandro Vigil, por exemplo, chefe da enologia de todo o grupo Catena, ousou, e, no ano de 2006, adquiriu apenas 600 barricas, quando a média de compra da vinícola era de 2 mil por ano. “A ideia era nos desintoxicar das barricas de carvalho”, lembra ele. É o exemplo da busca de enólogos por elaborar brancos e tintos que expressem mais a sua origem, que tenham, digamos, uma personalidade e que convidem o consumidor a mais uma taça.