Sozinha, informatização se mostra insuficiente para tornar Justiça mais célere
Pesquisa investiga reflexos da adoção de processos digitais em tribunais e na atuação de advogados.
De modo bilateral, estudo aponta as vantagens e desvantages na digitalização dos processos judiciais. (Foto: Agência Brasil)
A maioria das ações judiciais já migrou de papeis e pastas físicas para o universo digital. Mas elas conservam exigências que, ao serem repetidas exaustivamente, podem gerar obstáculos para que a análise de processos se torne mais célere.
Uma boa parcela delas são classificadas como burocráticas no estudo “Informatização judicial e efeitos sobre a eficiência da prestação jurisdicional e o acesso à Justiça”, elaborado pelo Insper com apoio do Instituto Betty e Jacob Lafer.
No trabalho, Luciana Yeung, Paulo Eduardo Alves da Silva e Carolina Osse afirmam que, apesar do avanço do formato eletrônico no país –pulou de 11,2% em 2009 para 90% em 2019–, ainda não houve resposta significativa de melhoria na duração dos processos, considerando o tempo de baixa e o de sentença.
A informatização, acrescentam os pesquisadores, mostra-se “inócua se o processo precisa seguir uma liturgia burocrática e não racional”. O trio também examinou as repercussões da disseminação dos processos digitais na operação de advogados e na relação deles com clientes.
Para compor as entrevistas, além entrevistas, seus autores recorreram a métodos de inteligência artificial e à aplicação de questionários eletrônicos. Confira a seguir os principais resultados.
Multiplicidade de sistemas
Há pelo menos nove sistemas de processo eletrônico em operação nos tribunais de justiça estaduais do país. Essa diversificação repete-se em cortes federais e superiores e pode ser maior, uma vez que um mesmo sistema dá origem a diferentes versões.
O quadro se contrapõe à integração defendida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, em 2013, instituiu o Processo Judicial Eletrônico (PJe), um software gratuito e de código aberto, como padrão para os tribunais.
A unificação é vista como uma forma de otimizar o uso de recursos financeiros e humanos, aperfeiçoar a comunicação entre as cortes e facilitar o acesso ao Judiciário –advogados, por exemplo, teriam de recorrer a um único sistema.
Entrevistas realizadas para o estudo demonstram resistência a esse plano. Um juiz de uma corte disse que não cabe ao CNJ “ser um fornecedor de produto”. Gestores de outras avaliam que migrar para o PJe seria um retrocesso. Cita-se ainda que a mudança implicaria custos com treinamento e adaptação ao novo sistema.
Para os críticos, a melhor alternativa seria investir na interoperabilidade dos sistemas existentes.
Efeitos no andamento processual
Ao analisarem todas as movimentações de 20 mil ações dos tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Rio de Janeiro (TJRJ) e nos regionais federais da 2ª Região (TRF2ª) e da 3ª Região (TRFª), os pesquisadores constataram uma profusão de procedimentos praticados durante a tramitação de casos.
Para apurar com que frequência ocorreram esses procedimentos –também chamados de movimentações ou andamentos–, eles definiram que a execução de três deles em uma mesma ordem, por pelo menos 20 vezes, seria considerada uma rotina.
Resultado: foram identificadas 804 rotinas no TJSP, 875 no TRF3ª, 1.157 no TJRJ e 1.562 no TRF2ª. A maioria delas, nos quatro tribunais, exigiu menos de um dia para ser executada.
Além disso, apesar da informatização do sistema, quase todas precisaram da intermediação de um servidor da área administrativa para serem efetuadas.
Todas essas informações foram extraídas de bases de dados abertas por meio de “text mining” (mineração de texto, em português). Utilizando processamento de linguagem natural, o método permite que textos sejam transformados em bancos dados, e, assim, analisados.
Aleatória, a amostra consistiu em processos ajuizados em primeira instância a partir janeiro de 2017 e abrangeu movimentações ocorridas até outubro de 2020.
Com base nos dados, os pesquisadores concluíram que, em geral, processos levam muito tempo para ter um desfecho por estarem condicionados a movimentações de curta duração repetidas diversas vezes, e não em razão de movimentações de longa duração.
Para eles, a morosidade gerada pela exigência do cumprimento de rotinas talvez seja “o maior dos obstáculos à maior celeridade no processo judicial pós-informatização”.
Alterar esse fluxo, no entanto, depende de mudanças de normas do Código de Processo Civil, o que não cabe à gestão dos tribunais.
Impacto para advogados
De um lado, o avanço da informatização facilitou tarefas, permitindo atender mais casos e constituir escritórios menores, tanto em equipe quanto em estrutura de espaço físico.
Advogados que decidem trabalhar em casa podem, por exemplo, recorrer a profissionais que atuam numa espécie de base de apoio e recebem valores baixos para praticar atos pontuais no processo.
De outro lado, exige-se mais investimento em tecnologia e no aperfeiçoamento profissional para operar novas ferramentas. Tudo isso para se manter relevante num mercado em que a competição por clientes se acirrou.
Outro efeito colateral é a necessidade de elevar a produtividade, a fim de compensar a queda do valor dos honorários. Um dos entrevistados disse haver relatos da cobrança de R$ 20 por processo.
Reflexos para clientes
Uma vez que podem acessar o andamento de processos judiciais por si sós, clientes ganharam mais informações para monitorar e avaliar o serviço prestado por advogados.
Empresas se veem ainda com a opção de internalizar a assistência jurídica ou ampliar seus departamentos dedicados a essa atividade, em vez de contratar escritórios externos. Com isso, reforçam o controle acerca de dados sobre seus casos.
Clientes se beneficiaram ainda da redução de valores cobrados, decorrentes da maior concorrência e da simplificação de processos.
(Fonte: Insper Conhecimento)